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28 de abril de 2014

A estranha lógica do ministro

Fabio Arruda Mortara

Perguntem aos 16 milhões de brasileiros que ainda, segundo dados oficiais, vivem abaixo da linha da miséria se gostariam de ser contemplados pelo Bolsa Família e outros programas sociais do governo ou se apreciariam continuar excluídos e enfrentando a inanição. A resposta óbvia e unânime seria um imenso “sim”? Não necessariamente, se dependesse da lógica do ministro Mauro Borges, da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC).

Refiro-me ao fato de ele ter afirmado, em uma entrevista ao jornal Valor Econômico, dia 22 de abril (página A4), que as empresas que não entraram nas políticas anticíclicas de desoneração da folha de pagamentos somente não foram contempladas porque não quiseram. Surrealista (para não utilizar adjetivos menos republicanos), considerando que a redução de custos converteu-se em necessidade premente no momento em que a crise mundial colocou todos os exportadores do Planeta em franca ofensiva no nosso mercado interno e tornou obsessiva a competitividade no comércio exterior.

Contrariando a informação do ministro, eis o testemunho da indústria gráfica brasileira: a Abigraf Nacional, entidade representativa do setor, mobilizou-se politicamente, agindo com transparência e dinamismo, no sentido de tentar sua inclusão integral, e não apenas do segmento de embalagens, em medidas provisórias relativas às desonerações da folha de pagamentos. Em três oportunidades, mesmo com aprovação da matéria pelo Parlamento, fomos extirpados, por meio de vetos da presidente Dilma Rousseff.

Escrevemos cartas às autoridades competentes, publicamos vários artigos, em toda a mídia nacional, defendendo a inclusão da indústria gráfica e concedemos entrevistas, com a mesma tese, a numerosos jornais, dentre eles o Valor Econômico. Por isso, ler que “só não entrou na desoneração quem não quis” é uma ofensa à inteligência dos empresários gráficos brasileiros. São cerca de 22 mil empresas, que empregam mais de 225 mil trabalhadores. Um contingente, aliás, maior do que os 145 mil contratados pelas montadoras.

Nada contra a indústria automobilística, claro, mas é preciso, aqui, esclarecer outro eufemismo (digamos...) do ministro, quando afirma, também na entrevista ao Valor, que a desoneração atendeu aos setores geradores de mão de obra intensiva. Ora, quem são as 225 mil pessoas que empregamos? Ministro, são cidadãos com registro formal, boa remuneração média, condições dignas e cujos postos de trabalho estão cada dia mais ameaçados pelo fato de gráficas estrangeiras estarem se locupletando do mercado nacional, imprimindo até mesmo livros brasileiros, inclusive os comprados pelo governo para distribuição gratuita nas escolas públicas.

Precisamos, sim, discutir melhor a concessão de estímulos como a desoneração da folha de pagamentos, que, conforme acena o ministro, poderá ser renovada. Porém, a medida deve ser linear e não desarticulada de outras políticas públicas voltadas ao resgate da competitividade da indústria nacional (como juros, câmbio, impostos em geral e PIS/Cofins). Mantidos os privilégios, será inevitável a criação de assimetrias, com graves consequências, como o risco de aumentarmos o número de pessoas, que, pela lógica de Sua Excelência Mauro Borges, farão questão absoluta de mergulhar e permanecer na linha da exclusão socioeconômica.

* Fabio Arruda Mortara, presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) e do Sindicato da Indústria Gráfica no Estado de São Paulo (Sindigraf-SP), é o coordenador do Copagrem (Comitê da Cadeia Produtiva do Papel, Gráfica e Embalagem da FIESP).