Chico Buarque e a Indústria Gráfica
Thomaz Caspary ( In memoriam )
Vocês deverão estar se perguntando o que o grande Chico Buarque tem a ver com a Indústria Gráfica. Chico Buarque de Hollanda é um dos maiores compositores de MPB além de músico, dramaturgo e escritor que ao lado de dezenas de outros grandes nomes começou a se destacar na música em meados de 1960. Como grande apreciador de MPB além de gráfico e, não querendo sempre falar de “Boas Práticas” e de PCP, Custos e outras faltas de atitude comuns a muitos de nossos colegas, resolvi então estudar um pouco, algumas letras compostas pelo grande Chico e tentar traçar um paralelo com os nossos donos de gráfica.
Dentre as centenas de composições deste autor, como Construção, Tanto Mar, Roda Viva, A Banda, Cálice, Passaredo e tantas outras, quero traçar um breve paralelo entre as letras de algumas músicas e o nosso “sofrido” setor. A letra da música Roda Viva, inicia-se com: “Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou morreu / A gente estancou de repente / Ou foi o mundo então que cresceu...”. “A gente quer ter voz ativa / No nosso destino mandar / Mas eis que chega a roda viva / E carrega o destino prá lá...”. - Na verdade esta música falava na época do drama pessoal dele (Chico) e da sociedade da época. Se fizermos uma análise hoje, da situação do segmento gráfico, principalmente de embalagens em papel-cartão e micro, veremos que “estancamos de repente” em função das importações de embalagens do exterior ou mesmo de produtos industrializados, sejam brinquedos, alimentos ou mesmo eletro-eletrônicos (mais eis que chega a roda viva / e carrega o destino prá lá).
Já na música Vai Passar, onde pulo alguns versos, Chico cita: “Vai passar nessa avenida um samba popular / Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais / que aqui sambaram nossos ancestrais / num tempo infeliz da nossa história / passagem desbotada na memória / das nossas novas gerações...”. - Esta é uma música ironicamente alegre que foi composta após a ditadura militar onde as novas gerações muitas sem base e se achando os “reis da cocada preta” fazem de algumas gráficas o verdadeiro quintal do mundo, onde entra quem quer, faz o que quer, sem base de instrução específica tecnológica e/ou em administração de uma empresa e sem conhecimento real do mercado.
Em Homenagem ao Malandro, Chico diz: “Eu fui fazer um samba em homenagem / à nata da malandragem, que conheço de outros carnavais. / Eu fui à Lapa e perdi a viagem, / que aquela tal malandragem não existe mais.” - Na época da estréia do musical “A ópera do Malandro” falava-se de empresários inescrupulosos. Infelizmente muitos deles continuam existindo, atrapalhando o mercado e vendendo impressos a valores aviltantes, muitas vezes abaixo dos custos do material calculado pelo gráfico. É a malandragem que está aí. Por outro lado, existe agora o chamado “malandro federal” que com sua legislação e taxação injusta ao mercado gráfico, favorece outros setores da indústria, deixando o gráfico a ver navios. Além disso, temos que lutar com algumas de nossas editoras, que insistem em imprimir suas edições no exterior (China, Índia, USA, Chile, etc.) fazendo com que a nossa mão de obra seja simplesmente dispensada. Que incentivo temos, para treinar a nossa mão de obra nestas condições?
Em uma de suas melhores obras musicais, Construção Chico Buarque inicia com “Amou daquela vez como se fosse a última” e seguindo-se muitas estrofes, segue: “Amou daquela vez como se fosse máquina / beijou sua mulher como se fosse lógico / Ergueu no patamar quatro paredes flácidas / Sentou pra descansar / Como se fosse um pássaro e flutuou no ar / como se fosse um príncipe / e se acabou no chão feito um pacote bêbado / morreu na contramão atrapalhando o sábado /. - Acredito que o grande Chico Buarque continua atual em suas palavras, pois retrata a vida do brasileiro em todos os aspectos. “Morreu na contramão atrapalhando o sábado” mostra como alguns empresários, sem preparo administrativo e colocando em postos chave os seus familiares também sem um mínimo de conhecimento, fazem desmoronar a gráfica, obra desta construção que eles, empresários imaginavam grandiosa algum dia.
Já na música Vai Trabalhar Vagabundo, Chico é mais contundente, pois a letra desta música é uma verdadeira “bordoada” em quem não pensa nas responsabilidades da vida, da sua própria família e de seus funcionários. Neste caso, ele mostra como alguns empresários ficam instigando seus subordinados dando ordens, mandando trabalhar corretamente em vez de ficar empurrando com a barriga, aumentando sua produtividade e economizando tempo e material enquanto eles ficam sentados ao telefone frente a um computador, em uma sala com ar condicionado. Essa música retrata também o quanto estamos cada vez mais, perdendo o sentido das relações humanas inclusive nos famosos “almoços de domingo em família”. No final, tudo o que se conseguiu com muito trabalho, fica para os herdeiros e disso o gráfico nada desfruta.
Gostaria de terminar este artigo, simplesmente reproduzindo o texto de uma linda canção de Chico, deixando para que você, amigo gráfico faça a sua própria interpretação. A canção de Chico Buarque de Hollanda é: Bom Conselho.
Ouça um bom conselho / Que eu lhe dou de graça / Inútil dormir que a dor não Passa. / Espere sentado / ou você se cansa / está provado, quem espera nunca alcança.
Venha meu amigo / deixe esse regaço / brinque com meu fogo / venha se queimar / Faça como eu digo / Faça como eu faço / Aja duas vezes antes de pensar.
Corro atrás do tempo / vim não sei de onde / Devagar é que não se vai longe. / Eu semeio o vento / na minha cidade / vou pra rua e bebo a tempestade.
Desejo a todos um ótimo mês de Fevereiro colhendo prosperidade.
* Thomaz Caspary ( in memoriam ) foi Consultor de Empresas, Coach e Diretor da Printconsult Consultoria Ltda. (São Paulo - SP)